quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Se...



   If... (1968) é um drama britânico produzido e dirigido por Lindsay Anderson que retrata a vida dos estudantes de uma tradicional escola da Inglaterra exclusivamente para garotos em meados da década de 1960, marcada pelos movimentos de contracultura, muito fortes nos Estados Unidos, bem como pelas revoltas estudantis na França. O filme, premiado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1969, revelou o talento de Malcolm McDowell, que, mais tarde, se tornaria mundialmente famoso ao estrelar o clássico Laranja Mecânica (1971), de Stanley Kubrick. McDowell atuaria em outros dois filmes de Anderson, O Lucky Man! (1973) e Britannia Hospital (1982), ambos na pele do personagem Michael Travis. 
   O longa inicia-se com a chegada de um aluno novo ao colégio, Jute (Sean Bury), que,  em meio a diversas hostilidades reservadas aos calouros, é apresentado às instalações da instituição e às rígidas regras impostas. A prática de bullying é constante mesmo por parte daqueles que, por sua vez, se veem submissos ao comando dos mais velhos; responsáveis por monitorar os dormitórios, estabelecer punições de acordo com as faltas cometidas, proibir o consumo de bebidas alcoólicas e até de controlar o comprimento do corte de cabelo de cada um – longas madeixas eram interpretadas como um sinal de rebeldia. Os juniors são obrigados pelos alunos do último ano a desempenhar tarefas não remuneradas designadas aos serventes, como preparar chá, caracterizando a rigorosa hierarquia ainda existente em muitas dessas escolas. Os métodos ortodoxos de ensino incluem violentos castigos corporais sob a justificativa de “disciplinar, formar cidadãos dignos e homens bem-sucedidos em suas carreiras”, a participação obrigatória no coral da Igreja e nas demais cerimônias religiosas, infligindo à fé em Deus, além de humilhantes avaliações médicas - que incluem fileiras para o exame da genitália - às quais os recém-chegados são submetidos. 




   Michael “Mick” Travis, no primeiro dia de aula do ano letivo, surge de sobretudo, chapéu preto e um longo cachecol que recobre parcialmente o rosto com o intuito de esconder o bigode que ele havia deixado crescer durante as férias. A contragosto, Mick é forçado a raspá-lo, o que incita  ainda mais seu ódio contra uma opressão que aparenta não ter sentido algum. Ali, tudo é cronometrado: o tempo de higiene, a arrumação de pertences, os exercícios físicos...  Até mesmo os alimentos são meticulosamente racionados. As perversões dos funcionários da instituição não são ignoradas, a exemplo do capelão (também professor de geometria) que molestava os alunos durante as aulas. 



   Junto aos amigos Johnny (David Wood) e Wallace (Richard Warwick), Mick desenvolve um sentimento anárquico baseado na vontade de desconstruir as convenções já conhecidas, eliminar a injustiça e a covardia, o autoritarismo, a manipulação, a alienação perpetuada pelos mais fracos e a falta de liberdade. A solução à vista, para ele, é invocar a luta armada, evidenciada pela frase “One man can change the world with a bullet in the right place” (“Um homem pode mudar o mundo com uma bala no lugar certo”). O personagem de McDowell passa a ganhar cada vez mais destaque, seja pela insolência, pelo sorriso irônico ou pelos trejeitos que previam o inesquecível Alex DeLarge de Laranja Mecânica, hoje um ícone da cultura pop, levado às telas três anos mais tarde.  



   A insurreição dos jovens atinge seu ápice quando Travis e Johnny decidem se ausentar da escola – o que é terminantemente proibido – e passear pela cidade. Os dois entram em uma concessionária e fingem observar os modelos da loja, ao passo que Travis, de modo estupidamente fácil, rouba uma das motocicletas e pega a estrada com o amigo na garupa, afastando-se dos centros urbanos.  Após alguns instantes, Travis estaciona a moto e entra em uma lanchonete com Johnny. Eles pedem café, e Mick logo se vê atraído pela atendente do estabelecimento (Christine Noonan) e lhe rouba um beijo. A moça lhe dá um agressivo tapa como resposta. Mais tarde, ela procura Mick e volta a encará-lo, afirmando comportar-se como um tigre. O surpreendente é notar que o rapaz corresponde a essa selvageria nas mesmas proporções e o que se tem é uma incrível sequência de viés surrealista, na qual os dois se afundam em uma fúria sexual de autodestruição. 
      Enquanto isso, o terceiro membro do grupo, Wallace, envolve-se em um romance com Bobby Phillips (Rupert Webster), um dos meninos mais novos, embora ciente de todas as consequências que isso poderia acarretar. A homossexualidade é mais uma das polêmicas questões abordadas no filme e um dos principais tabus na Inglaterra na época – até meados de 1967, a sodomia era considerada crime por lá.  
    Com uma ótima fotografia, o filme é intercalado por cenas coloridas e em preto e branco, e seus momentos de transição encontram-se perfeitamente encaixados no contexto, conferindo-lhe maior valor estético e semântico: a primeira vez que Phillips e Wallace se viram após o treino de educação física, no ginásio esportivo, a luta de esgrima entre os três amigos, a cena incendiária entre Mick e a garota da lanchonete. Ela, a propósito, se une aos rapazes no combate armado à autoridade tirânica, que toma lugar após uma celebração realizada no colégio. O estopim para o ataque foram as severas surras que os três sofreram como penalidade em decorrência das últimas faltas cometidas. O festim irrompe-se em disparos, desesperado, furioso e sangrento. 




     A partir daí, constata-se o paradoxo presente na prática da revolução: se, a princípio, o anseio por liberdade, melhores condições de vida e um sistema de educação mais eficiente impulsionam mudanças, o processo de edificá-las carece de boa retórica e uma base ideológica sólida,  o que torna a imposição pela força o único caminho mais viável, ainda que primitivo. Desse modo, o grito de indignação não só não tem uma impressão prolongada como também acaba por igualar o grupo revolucionário ao despotismo do sistema vigente, um desafio à hesitação expressa pela condicional do título. 




      O resultado é um dos mais reconhecidos símbolos da rebeldia e da contracultura, o que faz de If ... um filme bastante competente, sendo eleito em 2004 pela publicação Total Film um dos maiores filmes britânicos de todos os tempos. 

     


terça-feira, 15 de janeiro de 2013

De outro planeta


   Space is Only Noise  (2011) é o disco de estreia do músico e compositor norte-americano Nicolas Jaar. Nascido em Nova York no ano de 1990, Jaar mudou-se com a família para a terra natal de seu pai, o Chile, aos dois anos de idade, e só retornou aos Estados Unidos seis anos mais tarde. Na Brown University, em Rhode Island, estudou literatura comparada e em 2009 fundou seu próprio selo musical, a Clown & Sunset.
   Classificando o próprio som como “blue-wave” (expresso por 100 BPM, diferentemente do Techno, o qual conta com 120 BPM) o som de Nicolas Jaar abarca influências que vão desde Ricardo Villalobos àquele que é considerado o pai da música ambiente, o compositor do século XIX Erik Satie, até o jazzista etíope Mulatu Astatke. Também já confessou em entrevista o amor pelas obras do mestre brasileiro Cartola, e confirmou sua presença no festival Sónar, esse ano, em São Paulo. 
   Apesar da pouca idade, o músico é responsável por um dos trabalhos mais engenhosos dos últimos anos. O álbum é uma invasão de vozes entrecortadas, declarações aleatórias multilíngues, ruídos que pipocam nos ouvidos, um piano apurado, solos de saxofone, ecos, enfim: uma autêntica miscelânea. Tudo com muita classe e requinte. 
   O marulhar das águas prestigia a introdução de “Etrê”, a primeira faixa, que, logo em seguida, emenda em “Colomb”. É por aí que se reconhece Jaar como um dos principais nomes da música minimalista atual, inaugurando uma sonoridade rica em sentidos. Note que aqui se aplica o conceito de "música ambiente" mencionado, sugerindo que a mesma é capaz de ocupar todo um recinto.  Em “Too Many Kids Finding Rain In The Dust”, é possível identificar o choque entre elementos clássicos e as batidas industriais e o prenúncio mais próximo até então de uma melodia, trazendo ganhos para ambos os lados. “Keep me There” mantém os graves nas vocalizações e os experimentalismos, como as risadas distorcidas e o sax intercalado na segunda metade da faixa. “I Got a Woman” herda a elegância do Jazz, desta vez eletrônico e aromatizado artificialmente, além de contar com samples do refrão da música homônima de Ray Charles e uma gravação da  leitura do poema “Pour Compte”, de Tristan Tzara, um dos precursores do Dadaísmo. 
   A faixa que originou o título do álbum, a lunar “Space is Only Noise if You Can See” apresenta um vocal calculadamente remixado e efeitos atordoantes que a tornam a investida mais Techno. A calma “Almost Fell” acorda as águas e prossegue nos chiados iniciais de fundo, tomada pelas reverberações de um agudo vocal. A ótima “Variations” é sucedida pelo bis de “Etrê”, fechamento de Space is Only Noise.  
   Esse disco faz parte da seleta horda digna da alcunha de “obra de arte”. Recomenda-se sua audição integral, sem interrupções, afinal, é uma experiência completa e única. Imagine-o em uma exposição em um museu de Arte moderna, emoldurado por matizes de preto, cinza e branco, que, mais do que quaisquer outras cores, cabem perfeitamente no tom deste primoroso trabalho. 


segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Deep thoughts


  Shallow Bed, lançado em 2012, é o debut  da banda inglesa de folk-rock Dry the River. Sua formação inclui cinco integrantes: Peter Liddle (vocal principal, guitarra), Matthew Taylor (vocais, guitarra, teclado), Scott Miller (baixo, percussão, vocais), Jon Warren (bateria e percussão) e Will Harvey (teclado, violino, viola e bandolim). Comparados aos seus conterrâneos do Mumford and Sons pelo jornal The Guardian, os rapazes já se apresentaram em grandes festivais pela Grã-Bretanha e até na edição norte-americana do Lollapalooza, no ano passado. 
   O disco proporciona um aprimoramento do folk-rock tradicional, com arranjos bem elaborados e desenvolvidos de modo pleno. Os vocais harmônicos remetem a uma aproximação aos corais característicos da música sacra, recurso que tem o objetivo de enfatizar o assunto tratado ao longo das 12 faixas que o compõem.  Há, em Shallow Bed, um louvável empenho em relação à criação das letras, o que o torna uma tentativa ainda insegura de um álbum-conceito, envolvendo certo grau de coesão.  
   À medida que o álbum é ouvido, percebem-se diversas referências à religião. Primeiramente, a capa traz a pintura de um peixe, um dos símbolos-mor do cristianismo. “Shield Your Eyes”, a terceira faixa, menciona o leão de Frígia – região visitada por Paulo de Tarso e Silas no livro Atos dos Apóstolos, da Bíblia, e que hoje corresponde à Turquia – e suas previsões quanto ao fim iminente de um relacionamento. “History Book” narra o dilema de um jovem que pretende seguir à risca os ensinamentos da doutrina cristã, mas que se entrega aos desejos sexuais. O fardo do pecado é, portanto, “tão pesado quanto um livro de História”.  
   “The Chambers and The Valves” continua a discorrer sobre esse amor juvenil. “Demons” reafirma a importância da luta contra o mal e emenda perfeitamente em “Bible Belt”, a partir da qual é possível traçar o panorama familiar que lhe serve de cenário – pais alcoólatras e filhos sem rumo, subjugados pela religião. Ao menos um eu-lírico pode ser identificado, assim como sua fuga de tudo aquilo que considera “raso” (como o título do disco anuncia).  A  melancólica “Weights and Measures” é sobre o amor tardiamente correspondido e as decepções que o seguem. O ciclo é encerrado com “Family Tree”, onde o filho que se desvirtuou é aconselhado a se juntar novamente à família, para que só assim a paz no lar se concretize. 
   Apoiando-se em uma estreia tão primorosa, o Dry the River entra em estúdio este mês para a gravação de seu próximo trabalho, até então sem previsão de lançamento. É só aguardar e apreciar. 





quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Tons de Jazz


   Noite de chuva, ventos que mal movem as folhas das árvores, carros que fazem splash no asfalto molhado ao desacelerarem na esquina, sala deserta, na penumbra ... E um toque de Jazz. Se esse é o ambiente perfeito, por que não começar com uma das maiores lendas do gênero, o pianista e compositor Bill Evans? 

   William John Evans nasceu em agosto de 1929, em Plainfield, no estado de Nova Jersey, nos Estados Unidos. Começou a tocar piano aos 6 anos de idade e, mais tarde, estudou também outros instrumentos, como violino e flauta. Em seu período de aprendizado, tocou somente obras de compositores renomados da música clássica, como Mozart, Schubert e Beethoven. A partir de seu ingresso no Ensino Médio, peças mais recentes passaram a chamar-lhe a atenção, como as do russo Igor Stravinsky.  A sólida formação musical caracterizaria, mais tarde, seu estilo inconfundível, além de certa sofisticação. 
   Em 1958, juntou-se ao famigerado sexteto do grande Miles Davis (responsável pelo Magnum Opus do Jazz, Kind of Bluede 1959). Embora tenha ficado por apenas 8 meses no grupo, a colaboração rendeu importantes frutos e uma variada experiência no universo jazzístico da época, o que lhe garantiu mais autoconfiança. O pianista maravilhou-se diante da nova forma de fazer música e de apresentá-la ao público, uma música que não precisava “ser escrita” – em referência às partituras utilizadas nos métodos eruditos. 
   O álbum de hoje é Portrait in Jazz,  gravado em 1959 pelo Bill Evans Trio, com Paul Motian à bateria, Scott LaFaro ao contrabaixo e Bill  Evans ao piano. Essa seria conhecida como uma das últimas contribuições de LaFaro, que faleceu prematuramente em um acidente de carro aos 25 anos, em 1961. O trabalho contém 9 faixas e um bônus com 4 takes alternativos. A maioria delas é de standards, só duas são composições originais de Evans – “Peri’s Scope” e “Blue in Green”, sendo essa última em parceria com Miles Davis. 
   O que se ouve é uma virtuose do modal jazz – cuja invenção é atribuída ao próprio Bill. LaFaro amplia as possibilidades para o contrabaixo, deixando os graves indispensáveis para o êxito final. A bateria de Paul Motian (reverenciado nome na música instrumental contemporânea) coincide com o fraseado elegante, não menos que impressionista, de Evans. É perceptível a influência de compositores como Claude Debussy e Maurice Ravel, e suas inovações técnicas. O piano é exato, mas permite-se a improvisos em "Come Rain or Come Shine" e "Autumn Leaves". "When I Fall in Love", eternizada pela voz de Nat King Cole, toma uma esplêndida nova forma, bem como o clássico de Cole Porter, "What is This Thing Called Love?". "Someday My Prince Will Come", do filme de animação Branca de Neve e os Sete Anões, da Disney, é presenteada com uma memorável introdução. 
 

   Outros interessantes meios de conhecer o legado de Bill Evans se dão através de seu trabalho solo, Alone e uma compilação de apresentações ao vivo, Serenity, na qual se destaca a belíssima interpretação para um tema de Michel Legrand, "What Are You Doing the Rest of Your Life?" - Será mesmo que nada é perfeito? 
   E, uma vez que o player for acionado, só nos resta fechar os olhos e sonhar. 

 
                                         
 

   

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Pink Floyd em versão sinfônica



   Há alguns meses, estive pesquisando álbuns de lançamento recente na iTunes Store e acabei deparando com uma das recomendações feitas pela página da loja de música da Apple, com base no meu histórico de buscas. Tratava-se de um disco da Orquestra Filarmônica de Londres gravado em 1995 só com músicas do Pink Floyd. Fiquei um pouco surpresa por não ter descoberto a obra antes, uma vez que sou fã confessa da banda, além de ter uma afeição especial por música erudita. Já conhecia a Orquestra em outros trabalhos, inclusive por meio do incrível arranjo feito para “Stairway To Heaven”, do Led Zeppelin, outro grande clássico do Rock. The  London Philharmonic Orchestra Plays the Music of Pink Floyd é composto por 11 ambiciosas faixas que almejam ser mais do que releituras. 
   “Time”, uma das mais famosas do extenso repertório floydiano, é a de início. Na verdade, foram criadas duas versões dela: uma para a  introdução e outra para o encerramento do disco, totalizando quase vinte minutos de duração. A mais fiel à original (e reconhecida com mais facilidade) é a primeira delas, oportuna interpretação para um tema tão real e apavorante que é o tempo, tratado com maestria em um dos maiores álbuns da história, o Dark Side of the Moon (1973). Já a segunda resgata os experimentos musicais realizados pelo Pink Floyd durante sua fase psicodélica, notoriamente em Ummagumma (1969).  Os sintetizadores e os demais efeitos utilizados sugerem um ambiente úmido e obscuro, como uma floresta tropical à noite, o que lembra muito certos trechos de “Several Species of Small Furry Animals Gathered Together in a Cave and Grooving with a Pict”. 
   Em seguida, há uma orquestração competente para “Brain Damage”, o que faz com que essa seja uma das melhores faixas do trabalho.O naipe dos metais é carregado, tornando o som ainda mais poderoso e mágico. Existe uma série de razões para a música clássica ser tão ouvida e executada até hoje, passados séculos do falecimento de seus mais relevantes compositores, e uma delas é que ela é capaz de elevar o espírito, engrandecê-lo,ser tão nítida e não se deixar corroer pelo implacável tempo.  



   A partir de “Another Brick in the Wall (part 2)”, as coisas começam a sair dos eixos. A versão desnecessariamente longa para um dos hinos de The Wall (1979) acaba por deixá-la maçante e sem o impacto aguardado, enquanto o curto refrão é acrescido de floreios orquestrais monótonos. “Comfortably Numb” concentra-se em flautas e oboés para os respectivos vocais do original, resultando em uma variante mais light, muito diferente do clima de profunda tristeza requerido.  
   “Breathe in the Air” e “Money” foram mais duas escolhas acertadas, sem apostas perigosas. Entretanto, “The Great Gig in the Sky” foi uma das maiores decepções do disco. O magnífico improviso vocal de Clare Torry foi substituído por um agonizante solo de violino, que, em momento algum, mostrou-se à altura das emoções transmitidas por ela  junto ao piano de Richard Wright. O piano geralmente surge associado à música de câmara, ou então, em composições que exijam um solista para o instrumento além da própria orquestra. Neste caso, uma exceção poderia ter sido aberta a fim de que o ar agourento, mais fechado e denso, permanecesse. 
   “Nobody Home” também desaponta. Tive a impressão de que essa seria uma das mais “fáceis” de transcrever para o arranjo orquestral, pois a versão original já conta com um. Infelizmente, acabou se perdendo, sendo quase irreconhecível a princípio, ao passo que a faixa seguinte,  “Us and Them”, continua arrebatadora. 
   O álbum, embora não corresponda às expectativas de muitos, será uma experiência significativa para os fãs que ainda não o conhecem. Para os que não apreciarem, sempre teremos o verdadeiro Pink Floyd para nos reconfortar, por muitos e muitos anos. 



terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Proteja-se



  Confusion is Sex, de 1983, foi o primeiro disco do hoje consagrado grupo nova-iorquino de rock alternativo Sonic Youth, cuja formação contava na época com Thurston Moore (vocais e guitarra), Kim Gordon (vocais, guitarra e baixo), Lee Ranaldo (vocais e guitarra) e Richard Edson (bateria). Detentora de uma bagagem de influências que partem do The Velvet Underground até John Cage, passando por The Stooges – de quem regravou a cruciante “I Wanna Be Your Dog” – a  banda consolidou-se como uma das maiores de seu gênero ao criar uma música  complexa e peculiar. 
   Os indícios uma confusão iminente são expostos em “(She’s in A) Bad Mood”: tilintares metálicos, ruídos abafados, afinações alternativas para as guitarras abrasadas de Moore, Gordon e Ranaldo. A letra escassa, composta praticamente por um só refrão, ganha voz aos berros, intercalada por solos ensurdecedores. A voz hesitante de Kim Gordon comanda os vocais da segunda faixa, “Protect Me You”, que demonstra eficácia ao declarar um ambiente lúgubre  e nebuloso, à lá ensaios de porão. “Freezer Burn/ I Wanna Be Your Dog” mantém-se constante em seus riffs frenéticos até eclodir em uma explosão de cacofonia. 
   Em meio aos experimentalismos de “Shaking Hell”,  “Inhuman” e, de modo mais evidente, “Lee is Free”, há pérolas como “The World Looks Red” e “Kill Yr. Idols” (de onde provém o título do disco). Não é preciso dizer que as intercaladas “Confusion is Next” e “Make the Nature Scene” são intragáveis – o som de unhas sendo arranhadas em um quadro negro provavelmente seria menos agressivo à audição. 
   O uso do termo noise rock nunca foi tão abrangente e significativo. Confusion is Sex  concerne um rol de invenções artísticas das quais as pessoas comuns nem desconfiam da existência; é o universo underground em matéria bruta, crua, suja e barulhenta. Poucas bandas tiveram uma estreia tão ousada e diligente – quase científica. As opiniões da crítica especializada ficaram divididas: a AllMusic classificou-o como “ótimo”, enquanto a Blender atribuiu-lhe duas míseras estrelas, de um total de cinco. 
   Apesar de o álbum não ter tido grandes ambições comerciais, esse continua a ser um dos trabalhos mais originais do Sonic Youth, imune ao risco de ficar datado, diferentemente da maioria do material produzido nos anos 1980, de maneira geral.  Diversos recursos foram experimentados na “fabricação” de faixas, mas nenhum que permitisse a identificação imediata do ano em que foi feito. 
   Inspire-se, enlouqueça, ouça: só para se certificar de que o resultado é GENIAL. 


segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Impressões róseo-acetinadas



   Colored Emotions é o primeiro CD da banda de rock psicodélico Night Moves, formada em 2009 em Minneapolis, nos Estados Unidos, por John Pelant (vocais e guitarra), Micky Alfano (baixo) e Mark Ritsema (multi-instrumentista). Seu lançamento oficial ocorreu em outubro de 2012. 
   Impregnado por camadas sonoras, vozes distorcidas e melodias lentas que sugerem um acondicionamento espacial, o disco perde-se nos vícios musicais do grupo e suas pretensões vintage. É inevitável lembrar-se de outras bandas de inspiração setentista, como o excelente Tame Impala. O Night Moves, todavia, não aparenta ter acertado o tom. Ao longo de 10 faixas, Colored Emotions revela-se redundante e sem demonstrar ir além do groove
   A tímida incursão do trio tem início com “Headlights” , uma boa introdução permeada por sintetizadores, acordes simples e interessantes aplicações de influências country e soul. A segunda faixa, o já divulgado single “Country Queen” não apresenta grandes mudanças e a impressão que se tem é de ouvir variações sobre o tema da primeira. O órgão é quase indispensável nas criações do gênero, o que lhes garante a segurança de trilhar por caminhos já percorridos. 
   Em meio a defeitos de continuidade, a canção emenda na curtíssima “In The Rounds”, que atua como uma frágil ponte até a seguinte, “Only  a Child”, cujo ritmo já  a princípio a distingue das outras, mas não muito. Aliás, a mesma poderia ter sido editada a fim de que a ótima “Family Tongues” – uma das melhores do disco – se sobressaísse. “Old Friends” retorna às já clássicas fórmulas utilizadas. A embaçada “Put Out Your Shoulder” justifica o significado das cores selecionadas para o design da capa (que não tinham como ser mais convenientes), assim como “Horses”. 
   Por outro lado, os efeitos empregados sobre a voz de John Pelant em “Classical Hearts” são uma clara referência ao The Flaming Lips. Pelant já afirmou em entrevista à publicação Relix  o desejo de criar uma banda que fosse como aquela liderada por Wayne Coyne, “só que sem os disparos de confete”, marca registrada dos extravagantes concertos do grupo. 
   O outro single, a agradável e relaxante faixa-título “Colored Emotions” não chega a ser uma surpresa, considerando-se o que já foi escutado, porém também pode ser incluída entre as melhores, uma vez que possui os atributos necessários a um bom hit.  
   O álbum de estreia do Night Moves não é categoricamente ruim, mas seus resultados poderiam ter sido bem mais satisfatórios. Intitular as próprias emoções de coloridas é um dos exageros – coloridas não, no máximo, talvez, róseo-acetinadas.    


sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

O lunático imortal


                                                           
"Sempre pensei em voltar àquele lugar onde você pode beber chá e sentar no tapete."
- Syd Barrett

   A genialidade de Syd Barrett é um bem simplesmente invejável. Fundador e primeiro líder do Pink Floyd, ele foi a principal fonte criativa durante as primeiras empreitadas do grupo ainda no universo underground da lisérgica Londres dos anos 1960. Contudo, seu intenso envolvimento com drogas e, por conseguinte, a incapacidade de cumprir com a agenda de compromissos o forçaram a abandonar a banda pouco depois da gravação de seu segundo álbum, A Saucerful of Secrets (1968), no qual os vocais de Barrett só podem ser ouvidos na última faixa – a fatídica “Jugband Blues”. Os dois versos finais da música – and what exactly is a dream?/ and what exactly is a joke? – são perturbadores tendo-se em vista os eventos em curso naquele momento, propriedade inerente aos que têm a habilidade de transformar a própria existência em arte. David Gilmour assumiria a voz e a guitarra principal dali para frente, enquanto Barrett se dedicaria à concepção de dois discos solo antes de renunciar definitivamente à vida pública e à outrora brilhante carreira musical. 

   De todos os integrantes da formação original do Pink Floyd, Barrett foi, de longe, o mais influenciado pelos Beatles, atributo registrado na estreia do grupo com o intrigante The Piper at the Gates of Dawn (1967), concluído nos lendários estúdios Abbey Road alguns meses antes do lançamento ofuscante de Sgt. Peppers Lonely Heart’s Club Band. Essa presença permanece em seus trabalhos solo e o efeito obtido é ainda mais incrível quando combinado  com as sensacionais letras compostas por ele. 



   Dentre esses dois álbuns, Barrett (1971) aparenta ser o mais consistente e preciso e, por tais razões, pode ser considerado ainda melhor do que o anterior, The Madcap Laughs (1970).  Nele, Syd Barrett atinge o ápice de sua inventividade, emplacando faixas empolgantes como “Baby Lemonade”, “Dominoes” – you and I, you and I and dominoes... A day goes by... – “Gigolo Aunt” e “Effervescing Elephant” – reciclada a partir de um poema escrito por Syd ainda na adolescência. 
   Ele não só foi um excepcional compositor como também um exímio contador de histórias. É possível constatar uma veia narrativa em várias de suas canções. O primeiro single do Floyd, “Arnold Layne” é um bom exemplo disso. Como não se lembrar do homem cujo hobby envolvia roubar roupas femininas dos varais da vizinhança? E da Emily, de “See Emily Play”? Até hoje não há um consenso a respeito da musa inspiradora de Syd, nem se ela existiu de fato. 
   Barrett inspirava-se também em histórias infantis para escrever canções, evocando um universo de sonho e fantasia que abrangesse uma música transcendental. O título do primeiro CD do Floyd foi retirado de um dos capítulos do livro O Vento nos Salgueiros, de Kenneth Grahame, apresentando animais antropomorfizados como personagens principais. 
   Hoje, há versões remasterizadas  tanto de The Madcap Laughs quanto de Barrett que contêm, respectivamente, seis e sete faixas bônus de takes alternativos para algumas músicas. Ao fundo, escuta-se com frequência orientações sendo dadas ao cantor no processo de gravação. Só para a gente se enlouquecer mais e mais com o puro, irretocável e irresistível sotaque britânico de Syd. 
   Encontrar o próprio lugar no mundo é um dos anseios mais fundamentais do ser humano. E ir até ele sempre que possível, sentir-se acolhido pelas estruturas que o fortificam, deitar-se próximo ao chão sem que se queira ir embora... Imagino como seria esse lugar para Syd e, decididamente, a xícara de chá e o tapete preparam o ambiente perfeito. E é a ele que Syd pertence. 



R.I.P
Roger Keith Barrett (1946-2006)



Aquele dia...


   Until When We Are Ghosts, lançado em 2005, é a bem-sucedida estreia do cantor e compositor de folk-rock norte-americano William Fitzsimmons. Dono de uma voz agradável e de uma incrível habilidade para arranjos em violão, o músico se sobressai como um dos grandes talentos de sua geração. 
   Por vezes romântico, melancólico e até nostálgico, o álbum encanta graças à sutileza com a qual trata de assuntos tão delicados, como culpa (em “My Life Changed”,) e suicídio (em “Kylie”), respectivamente, sexta e oitava faixas do disco, em meio a letras envoltas por belas poesias. Encare-o como uma cabana aconchegante em meio a um bosque, onde se pretende ficar por tempo indeterminado, até que o mundo lá fora pareça equilibrado. Há um desejo imutável de evasão do eu-lírico para um passado recente, onde as ramificações de seus sentimentos e relações interpessoais formavam redes menos complexas e de curto alcance. Como a opção para uma fuga temporal não está disponível, a saída é seguir a estrada para fora de sua cidade até que se deparar com algum ponto onde ninguém o conheça. Esse enredo é tecido em “When I Come Home”, a quarta música do CD. Quem já ouviu + (2011), de Ed Sheeran, será capaz de estabelecer algumas comparações e influências, principalmente pelo single "The A Team". 
   As três primeiras faixas desenvolvem-se gradualmente, e em “Passion Play” (cuja introdução é um lindo solo de violão de pouco mais de um minuto de duração) e “Candy”, ouve-se um suave vocal feminino de apoio. É raro ver artistas conseguirem tanta relevância e maturidade em seu primeiro trabalho, e, felizmente, esse é o caso de Fitzsimmons. As melodias são tão brandas que nos fazem querer, literalmente, morar em uma dessas canções, penetrar a mente de seus personagens (que não são diferentes de nós) e se deixar acariciar pelos acordes. 
   A música de Until When We Are Ghosts inclui-se no grupo que ministra uma impressão muito próxima à depressão. A situação apresenta leve mudança de humor em “Funeral Dress” (ironicamente), com um ritmo um pouco mais rápido, mas ainda distante de ser animada. Não que isso incomode o ouvinte mais acostumado e profundo apreciador do gênero singer/songwriter. 
   Enfim, esse é o disco para quem quer sentir e encontrar tranquilidade e paz de espírito, em um dia frio, nublado, acompanhado por um chocolate quente. Não há pedida melhor. 





quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Às noites de vinho e rosas



   O Japandroids é uma dupla de rock de Vancouver, no Canadá, formada em 2006 pelo guitarrista e vocalista principal Brian King e o baterista e vocalista de apoio David Prowse. Assim como o The White Stripes e o The Black Keys, não há um baixista em sua composição original, o que, apesar de gerar divergências quanto à sonoridade, não compromete a qualidade do material produzido. Celebration Rock é o seu segundo álbum de estúdio e foi lançado em junho de 2012. O trabalho anterior do duo, Post Nothing (2009), foi  aclamado por publicações especializadas em música alternativa como um dos melhores discos do ano em questão.
    Celebration Rock é composto por oito faixas, nas quais se discorre sobre o que há de bom no noise rock, sem inovações arriscadas. O som é explosivo, jovial e estimulante, ainda distinto das  gravações inflamadas dos primeiros trabalhos do já mencionado The Black Keys.  
    Estouros similares a fogos de artifício são empregados tanto na abertura quanto no encerramento do disco. Todas as faixas, de maneira geral, são bem estruturadas melodicamente a ponto de funcionarem de modo independente e fáceis de serem ouvidas e lembradas. O andamento frenético das músicas expõe seus refrões aos berros. No entanto, é mais do que justo parabenizar "The Nights of Wine and Roses"  e "The House that Heaven Built" (ambas com direito a acompanhamento no Oh, Oh, Oh), "Adrenaline Nightshift" (para pular, dançar e agradecer pela invenção do Rock and Roll), "Younger Us" (um ode às loucuras da juventude) e "Continuous Thunder" (aquela que antecipa as grandes aventuras que virão pela vida). 
    Para elevar o astral a proporções exosféricas, ouvir Celebration Rock é mais do que recomendável. E é claro que em uma cerimônia festejada em nome de uma causa tão nobre quanto o Rock, fogos de artifício serão sempre bem-vindos. 




        

Uma viagem ao deserto



  Django Django, álbum de estreia  do quarteto escocês homônimo de indie rock formado em 2009 pelos músicos David Maclean (bateria), Vincent Neff (vocais e guitarra), Jimmy Dixon (baixo) e Tommy Grace (sintetizador), foi lançado em 30 de janeiro de 2012, e, segundo a revista Rolling Stone, foi um dos melhores trabalhos do ano. A banda pode não ter atingido um reconhecimento internacional imediato, em especial no Brasil, mas parece ser uma das grandes apostas para 2013. 
   O disco começa com "Introduction", faixa instrumental com camadas eletrônicas bem arranjadas e que já adianta parte do que será ouvido a seguir. A peça é prolongada até emendar em "Hail Bop", mantendo batidas semelhantes encadeadas por uma letra que evoca paisagens oníricas, cenários etéreos, esteticamente adequados ao estilo psicodélico. A partir do instante 0:30, evidenciam-se as particularidades com o eletrônico, especificamente com o duo australiano Empire of the Sun. O intrigante design da capa complementa o vínculo da imagem à música: nela, não há quaisquer referências ao nome da banda, ou mesmo do álbum, aspecto que sempre me chamou mais atenção do que a utilização desses dados em capas convencionais. 
   A abundante herança deixada pelas décadas de 1960 e 1970 para o art rock e o rock psicodélico é investida de maneira consciente, além de um toque mágico de Kraftwerk.  Adicionam-se vocais sintetizados de aparência robótica e o resultado é apresentado em "Default" em variações techno. "Firewater", a canção seguinte, por outro lado, tem uma melodia mais simples e próxima ao rock sem que para isso seja necessário o abandono do sintetizador. Dançantes batuques anunciam as experimentações de "Waveforms", até se amaciarem em um refrão um pouco mais lento e deliciosamente eletrônico, fórmula reutilizada em "Zumm Zumm", sexta faixa do disco.
   Além das já citadas, destacam-se "Life's a Beach", e a sedutora "Skies Over Cairo", instrumental que no próprio nome revela a inspiração na música árabe, distorcida por ondas futuristas e vozes harmônicas ao fundo. "Silver Rays", surpreendentemente, denota uma semelhança com os veteranos do The Beach Boys.        
   O álbum permanece coeso durante suas treze faixas ao apresentar uma proposta atemporal de ambientação sonora, totalizando quase 50 minutos de uma viagem lisérgica a um deserto sem fim em um planeta distante, possivelmente em uma galáxia a centenas de anos-luz de distância. E com satisfação - e, por quê não, um retorno? - garantidos.