sábado, 2 de março de 2013

A efemeridade do tempo



   “História é aquela certeza fabricada no instante em que as imperfeições da memória se encontram com as falhas da documentação.”


   Tanto quanto a citação acima – atribuída a um autor fictício de nome Patrick Lagrange, pronunciada numa das passagens do livro – quanto a declaração de Tony Webster acerca do que difere a juventude da velhice – “(...) quando somos jovens, inventamos diferentes futuros para nós mesmos; quando somos velhos, inventamos diferentes passados para os outros.” – serviriam de epígrafe para esse sensível romance do britânico Julian Barnes, vencedor do Man Booker Prize de 2011. 
   O sentido de um fim é um tratado eloquente  sobre a fragilidade da memória, a perseverança de nossos ideais e o poder do tempo em nossas vidas. 
   Em cerca de 160 páginas, o personagem Anthony Webster conta a própria trajetória, desde o período escolar até a terceira idade. Divorciado, distante da filha e dos netos, careca e aposentado, descobre que a mãe de Veronica Ford, sua namorada na adolescência, acaba de falecer, deixando-lhe  uma herança simbólica no valor de 500 libras e um diário escrito por Adrian Finn, amigo dos tempos do colégio que cometera suicídio aos 22 anos.
   Todavia, a memória de Tony não é das melhores. Sua narrativa faz com que acontecimentos passados se mobilizem a fim de comportar opiniões e conceitos, em especial os que se referem à vida alheia. Em determinadas ocasiões, fatos surgem associados a imagens sensoriais, – o vapor que sobe quando uma frigideira quente é jogada dentro de uma pia molhada, um dos exemplos mais marcantes – que  aparentam ser muito mais consistentes e confiáveis do que a palavra dita – ou não dita.
   Anthony tenta, enquanto analisa a existência presente, reunir a sucessão de eventos que se inicia a partir do dia em que Adrian juntou-se a ele, Alex e Colin na sexta série. Seguem-se o ingresso na universidade, o primeiro contato com Veronica e o término do relacionamento, o namoro dela com Adrian, até a inesperada morte do amigo, ocorrida enquanto o protagonista viajava pelos Estados Unidos.
   Desde o princípio, ele destacara-se dos demais por estabelecer um tipo de contato muito mais complexo entre a interação que mantinha com outras pessoas e a realidade na qual vivia. Seus pensamentos fugiam ao senso comum. Finn era, de fato, muito mais inteligente do que Tony. Acima da média, em termos estatísticos. E é cruel constatar que a maioria de nós está condenada a fazer parte dela.
   Ao ser informado de que a mãe de sua ex-namorada havia lhe deixado o diário de Adrian, Tony dispõe-se a recuperá-lo. No entanto, ele não contava com o fato de que Veronica representaria um obstáculo implacável entre ele e o diário. Anthony fracassa inúmeras vezes na tentativa de decifrar a mulher que fora seu primeiro amor – e os sentimentos que ela procura esconder ao descuidar da aparência.
   O que se lê são profundos questionamentos que concernem o vazio existencial, a frustração de sonhos e planos que não se concretizam, a vida idealizada que fomos ensinados desde cedo a amar, a resposta que temos ao longo dos anos sob a forma de uma vida "automática" e a inevitável velhice, a "prova da sobrevivência". 
   O tempo, ora devastador, ora reparador, norteia todo o enredo, assim como refuta nossos julgamentos a respeito das decisões dos outros e deforma a compreensão que temos quanto a lances há muito ocorridos. A memória pode nos abandonar quando mais precisamos dela ou, quando não o faz, nos prega peças que muitas vezes não têm a menor graça.

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